Opinião
- 03 de agosto de 2015
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Como ser evangélico sem deixar de ser brasileiro
Faz tempo que venho observando: pastores não conhecem muito a arte, não dão bola para a cultura (“feijoada sim, samba não!”), não sabem muito de música, por exemplo. Eis a confusão armada. Artistas não ligam para a teologia. Desconhecem a enorme riqueza que há tanto nas Escrituras quanto no pensamento teológico e que, certamente, concederia à sua arte um sentido mais profundo.
Outra coisa que me chateia: nós, evangélicos, de todos os tipos - desde os de denominações protestantes históricas, passando pelos pentecostais e até os “irmãos midiáticos” - temos enorme dificuldade em aceitar as manifestações culturais, pura e simplesmente. Precisam ser “evangelísticas” ou “edificantes”, o que quer dizer “música cristã”, “teatro cristão”, etc. Desconfio que sempre que “cristão” vira um adjetivo para uma expressão artística o que vem é coisa ruim, pobre. Pego emprestado uma frase de Michael Horton, muito significativa: “através dos anos, temos criado os nossos próprios guetos de artistas, superestrelas e apresentadores, com versões cristãs de tudo que há no mundo.” Em outras palavras, querendo não ser “mundano”, a gente se torna “mundano” por copiar em nossos guetos (e muito mal!) o mundo.
Mas há esperança: há um grupo, um movimento (autores, eventos), grão de mostarda silencioso, fermento subversivo na massa redescobrindo tanto nas Escrituras quanto no legado da Reforma a libertação da arte. “A arte não precisa de justificativa”, pregou o historiador Hans Rookmaaker: “de fato, aquilo que não podemos viver sem, não precisa de justificativa.”
Não podemos viver sem arte. A arte resulta da “imagem de Deus” em nós. Somos artistas porque Deus disse em Gn 1.26-28; 2.15: “façam cultura!”. Difícil a nossa cabeça evangélica reconhecer esse mandamento - o primeiro na Bíblia foi para toda a humanidade. E que os descendentes de Caim tornam-se músicos e artesãos! (Gn 4.17-22). Daí a necessidade da conversa incluir o importante conceito da Graça Comum, como papearemos outro dia.
Horton diz com propriedade, indo direto ao ponto (e quem lê teologia, pastor ou não, sabe que ele está citando Agostinho, Calvino, Kuyper, por exemplo): “A Reforma libertou homens e mulheres cristãos para seguir com dignidade e respeito os seus chamados divinos no mundo, sem ter que justificar a utilidade desses chamados à igreja ou ao empreendimento missionário. A vocação era dom da criação. Até mesmo os não cristãos, como quem carrega a imagem de Deus, possuíam este chamado divino”.
Então é isso - eis meu convite a uma conversa; depois, uma convocação. Essa conversa convoca à ação. A que ação me refiro? Posso desdobrá-las em algumas:
1. Reler o que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto cultura-arte;
2. Desistir do equívoco de demonizar a cultura (“o mundo”), ainda que seja preciso rejeitar alguns dos seus elementos decaídos;
3. Repensar a música como mera propaganda do cristianismo;
4. Sair do gueto dos nossos templos “macdonaldizados”, nossas igrejas-franquia , cristianismo “franchising” e ir (re)descobrir o Brasil; trazer o Brasil para nossas celebrações. Não conheço nenhuma igreja norte-americana ou australiana, por exemplo, que tenha em 99% do seu “setlist” dos cultos de domingos músicas brasileiras, japonesas ou senegalesas versionadas para o inglês!
5. Comprometer-se em fazer uma música para a igreja que possa ser cantada “lá fora” e uma música lá para fora que possa ser cantada na igreja. Só pra lembrar: foi isso que fez Johann Sebastian Bach, a seu modo, a partir da sua cultura, para a Glória de Deus. Podemos tocar uma sonata de Bach no culto ou ouvir a um coral secular em uma sala de concerto cantando “Jesus, alegria dos homens”. Como termina em das suas principais obras - Diário de um pároco de aldeia - o romancista francês Geoge Benardos: “O que importa? Tudo é graça”.
Outro dia, encantou-me a seguinte história: “Quando perguntaram o que Martinho Lutero faria se soubesse que Cristo estaria voltando no dia seguinte, ele responde: “Eu plantaria uma árvore”.
Não menos espiritual que cantar um hino.
A primeira profissão humana foi a jardinagem.
Tudo é espiritual.
Tudo é de Deus e pode ser oferecido de volta a Deus.
Inclusive o Brasil.
Você conhece esse "louvor" do "irmão" Gil?
"Deus fará
Absurdos, contanto que a vida seja assim
Sim
Um altar
Onde a gente celebre tudo o que Ele consentir”
Sambaião
Estou lançando um novo projeto, meu engajamento nas questões listadas : um novo CD/Show, “Sambaião” (isso mesmo! a mistura gostosa do Samba com o Baião, Jobim e Gonzagão). E vem junto um livro “Como ser evangélico sem deixar de ser brasileiro”, no qual a tal conversa se desenvolve. A estreia será no Teatro Municipal de Niterói (RJ), 4 e 5 de setembro, 20h, com a ilustre presença de dois amigos: Wanda Sá (Bossa Nova) e Roberto Diamanso (Baião, Xote, poesia). Os ingressos serão vendidos em breve no site www.ingressorapido.com.br. Quero abraçá-los lá, amigos!
Leia também
A Arte Não Precisa de Justificativa
Cristo e a criatividade
Louvor, adoração e liturgia
Foto: radios.ebc.com.br/sites/_radios/files/samba_.jpg
Outra coisa que me chateia: nós, evangélicos, de todos os tipos - desde os de denominações protestantes históricas, passando pelos pentecostais e até os “irmãos midiáticos” - temos enorme dificuldade em aceitar as manifestações culturais, pura e simplesmente. Precisam ser “evangelísticas” ou “edificantes”, o que quer dizer “música cristã”, “teatro cristão”, etc. Desconfio que sempre que “cristão” vira um adjetivo para uma expressão artística o que vem é coisa ruim, pobre. Pego emprestado uma frase de Michael Horton, muito significativa: “através dos anos, temos criado os nossos próprios guetos de artistas, superestrelas e apresentadores, com versões cristãs de tudo que há no mundo.” Em outras palavras, querendo não ser “mundano”, a gente se torna “mundano” por copiar em nossos guetos (e muito mal!) o mundo.
Mas há esperança: há um grupo, um movimento (autores, eventos), grão de mostarda silencioso, fermento subversivo na massa redescobrindo tanto nas Escrituras quanto no legado da Reforma a libertação da arte. “A arte não precisa de justificativa”, pregou o historiador Hans Rookmaaker: “de fato, aquilo que não podemos viver sem, não precisa de justificativa.”
Não podemos viver sem arte. A arte resulta da “imagem de Deus” em nós. Somos artistas porque Deus disse em Gn 1.26-28; 2.15: “façam cultura!”. Difícil a nossa cabeça evangélica reconhecer esse mandamento - o primeiro na Bíblia foi para toda a humanidade. E que os descendentes de Caim tornam-se músicos e artesãos! (Gn 4.17-22). Daí a necessidade da conversa incluir o importante conceito da Graça Comum, como papearemos outro dia.
Horton diz com propriedade, indo direto ao ponto (e quem lê teologia, pastor ou não, sabe que ele está citando Agostinho, Calvino, Kuyper, por exemplo): “A Reforma libertou homens e mulheres cristãos para seguir com dignidade e respeito os seus chamados divinos no mundo, sem ter que justificar a utilidade desses chamados à igreja ou ao empreendimento missionário. A vocação era dom da criação. Até mesmo os não cristãos, como quem carrega a imagem de Deus, possuíam este chamado divino”.
Então é isso - eis meu convite a uma conversa; depois, uma convocação. Essa conversa convoca à ação. A que ação me refiro? Posso desdobrá-las em algumas:
1. Reler o que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto cultura-arte;
2. Desistir do equívoco de demonizar a cultura (“o mundo”), ainda que seja preciso rejeitar alguns dos seus elementos decaídos;
3. Repensar a música como mera propaganda do cristianismo;
4. Sair do gueto dos nossos templos “macdonaldizados”, nossas igrejas-franquia , cristianismo “franchising” e ir (re)descobrir o Brasil; trazer o Brasil para nossas celebrações. Não conheço nenhuma igreja norte-americana ou australiana, por exemplo, que tenha em 99% do seu “setlist” dos cultos de domingos músicas brasileiras, japonesas ou senegalesas versionadas para o inglês!
5. Comprometer-se em fazer uma música para a igreja que possa ser cantada “lá fora” e uma música lá para fora que possa ser cantada na igreja. Só pra lembrar: foi isso que fez Johann Sebastian Bach, a seu modo, a partir da sua cultura, para a Glória de Deus. Podemos tocar uma sonata de Bach no culto ou ouvir a um coral secular em uma sala de concerto cantando “Jesus, alegria dos homens”. Como termina em das suas principais obras - Diário de um pároco de aldeia - o romancista francês Geoge Benardos: “O que importa? Tudo é graça”.
Outro dia, encantou-me a seguinte história: “Quando perguntaram o que Martinho Lutero faria se soubesse que Cristo estaria voltando no dia seguinte, ele responde: “Eu plantaria uma árvore”.
Não menos espiritual que cantar um hino.
A primeira profissão humana foi a jardinagem.
Tudo é espiritual.
Tudo é de Deus e pode ser oferecido de volta a Deus.
Inclusive o Brasil.
Você conhece esse "louvor" do "irmão" Gil?
"Deus fará
Absurdos, contanto que a vida seja assim
Sim
Um altar
Onde a gente celebre tudo o que Ele consentir”
Sambaião
Estou lançando um novo projeto, meu engajamento nas questões listadas : um novo CD/Show, “Sambaião” (isso mesmo! a mistura gostosa do Samba com o Baião, Jobim e Gonzagão). E vem junto um livro “Como ser evangélico sem deixar de ser brasileiro”, no qual a tal conversa se desenvolve. A estreia será no Teatro Municipal de Niterói (RJ), 4 e 5 de setembro, 20h, com a ilustre presença de dois amigos: Wanda Sá (Bossa Nova) e Roberto Diamanso (Baião, Xote, poesia). Os ingressos serão vendidos em breve no site www.ingressorapido.com.br. Quero abraçá-los lá, amigos!
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A Arte Não Precisa de Justificativa
Cristo e a criatividade
Louvor, adoração e liturgia
Foto: radios.ebc.com.br/sites/_radios/files/samba_.jpg
Gerson Borges, casado com Rosana Márcia e pai de Bernardo e Pablo, pastoreia a Comunidade de Jesus no ABCD Paulista. É autor de Ser Evangélico sem Deixar de Ser Brasileiro, cantor, compositor e escritor, licenciado em letras e graduando em psicologia.
- Textos publicados: 26 [ver]
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